Costumo brincar dizendo que, para conseguir ler todos os livros que me enviam, só se eu pegasse uma prisão perpétua. Pois é de estranhar que, habituada a fazer essa conexão entre isolamento e livros, tenha me passado despercebida a matéria que saiu recentemente nos jornais(da qual fui gentilmente alertada por uma leitora) de que os detentos de penitenciárias federais que se dedicarem à leitura de obras literárias, clássicas, científicas ou filosóficas poderão ter suas penas reduzidas. A cada publicação lida, a pena será diminuída em quatro dias, de acordo com a Portaria 276 do Departamento Penitenciário Nacional(Depen). No total, a redução poderá chegar a 48 dias em um ano, com a leitura de até 12 livros. Para provar que leu mesmo, o detento terá que elaborar uma resenha que será analisada por uma comissão de especialistas em assistência penitenciária.
A
ideia é muito boa, então, por favor, não compliquem. Não exijam(eles lá sabem o
que é resenha?) nem nada assim inibidor. Peçam apenas que o sujeito, em poucas
linhas, descreva o que sentiu ao ler o livro, se houve identificação com algum
personagem, algo bem simples, só para confirmar a leitura. Não ameacem o pobre
coitado com palavras difíceis, ou ele preferirá ficar encarcerado para sempre.
Há
presos dentro e fora das cadeias. Muito adolescente está preso a maquininhas
tecnológicas que facilitam conexão com os amigos, mas não consigo mesmo.
Adultos estão presos às telenovelas e aos reality shows quando poderiam estar
investindo o tempo em algo muito mais libertador. Milhares de pessoas acreditam
que ler é difícil, ler é chato, ler dá sono, e com isso atrasam seu
desenvolvimento, atrofiam suas ideias, dão de comer a seus preconceitos, sem
imaginar o quanto a leitura os libertaria dessa vida estreita.
Essa
boa notícia sobre atenuação de pena é praticamente uma metáfora. Leitura =
liberdade. Não é preciso ser um criminoso para estar preso. O que não falta é
gente confinada na ignorância, sem saber como escrever corretamente as
palavras, como é viver em outras culturas, como deixar o pensamento voar. Um
livro é passaporte para um universo rico e irrestrito. O livro é a vista
panorâmica que o presídio não tem, a viagem ao redor do mundo que o presídio
impede. O livro transporta, transcende, tira você de onde você está.
Por
receber uma quantidade inquietante de livros, e sem ter onde guardá-los todos,
costumo fazer doações para escolas e bibliotecas com freqüência. Poucos meses
atrás, doei alguns exemplares para um presídio do Rio de Janeiro, e sugiro que
todas as pessoas que tenham livros servindo de enfeite em casa façam o mesmo.
Que se cumpra as penas, mas que se deixe a imaginação solta.
Martha
Medeiros
in Revista O Globo, ano 8, nº 415, pg24.
Rio de Janeiro,8 de Julho de 2012
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